Balsa 171: O Naufrágio dos Esfarrapados
Balsa 171: O Naufrágio dos Esfarrapados
(Ou: "Quando a Única Coisa que Afundou Foi a Esperança")
Título original: Pau de Arara – O Titanic do Pobre
Num verão tão quente que até o mar suava, a famigerada Balsa 171 zarpou do Porto de Maceió, abarrotada não só de gente, mas de sonhos remendados, contas vencidas e uma esperança que já embarcara afogada. Com pelo menos duzentas almas além do que a embarcação comportava — e nenhuma delas com passagem de volta — o destino da travessia era incerto. Ninguém sabia ao certo onde chegariam, talvez nem o próprio “capitão”, que parecia mais preocupado em encontrar o celular que deixara cair no porão do que em conduzir a balsa.
O que deveria ser uma travessia de 40 minutos virou uma epopeia tragicômica. O motor, cansado de tentar, entregou os pontos com dignidade nenhuma. A água começou a entrar lentamente, mas — como manda o roteiro — só do lado dos pobres. Do outro, onde teoricamente estariam os privilegiados, havia apenas sacolas de feira e galinhas ensacadas. Os coletes salva-vidas, claro, haviam se transformado em garrafas pet amarradas com barbante, uma invenção nacional que não consta em manual náutico algum.
Enquanto os passageiros se amontoavam em meio ao calor, à precariedade e à promessa de que “vai dar certo”, o destino escrevia mais uma de suas crônicas sarcásticas: um naufrágio tão previsível que até os tubarões já estavam de prontidão. Não para devorar, mas para rir.
Entre as cenas mais marcantes, um jovem tentou registrar o caos com seu celular, querendo fazer história no Instagram. Mal sabia ele que a verdadeira legenda seria escrita pelo mar — o aparelho escorregou de suas mãos e desapareceu na água. A última imagem? Um #SOS seguido de "#CadêOBolsaFamília".
No convés inferior, um casal apaixonado se agarrava como se amor boiasse. Mas no calor do momento, ela lembrou que tava devendo 50 reais a ele. Sem pensar, o olhou nos olhos e soltou. Não a mão, a dívida. E ele, por consequência.
O "capitão", que nem era capitão, berrou sua confissão antes de desaparecer no horizonte — Eu só tava dando carona, porra! — enquanto se agarrava à única boia disponível: um pneu de caminhão desgastado.
A trilha sonora do desastre era, como tudo ali, improvisada. Uma versão a capela de “Xote dos Afogados”, com gritos de gaivota ao fundo, preenchia o ar. Em outro canto, alguém arriscava os versos de “Balsa Sol”, com a voz trêmula pelo álcool e pelo medo.
Quando o resgate chegou — três dias depois, como quem não queria interromper a ironia do enredo — encontraram apenas alguns fragmentos do que foi a Balsa 171. Uma sandália Havaianas boiava sozinha, símbolo da partida sem volta. Um bilhete plastificado emergia das ondas, com um pedido modesto: "Se achar meu RG, devolve no SINE". E o mar, indiferente como sempre, ria baixinho.
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