O Filtro de Barro

 O Filtro de Barro


vomitado por christian palmer, inspirado em Michel Melamed

Me apaixonei: foi sujo, rápido e sem aviso — tipo deslizamento de terra. Menos de 23 dias depois, casamos. Um com roupa velha de brechó, o outro com camisa cheirando a fumaça e desilusões. Alugamos um AP no Santos Dumont, em Maceió. Terra que queima sola de chinelo - igual a gente queimando etapas.

Na época, eu tava tão louco de amor que queria dar um presente que dissesse tudo — mas sem ser demodê. Nada de buquê, bombom ou aliança. Eu queria algo que fosse só nosso.

Numa ida à feira, voltando sozinho, passei na frente de uma bodega. E o vi. Marrom, parrudo, alma de vó: um filtro de barro.
Pensei:
— Cara, é isso.

Fazia todo o sentido.
A gente vivia falando sobre querer algo puro, verdadeiro.
Tudo era rápido demais. Plástico demais. Sede demais.
Eu queria ser o contrário disso.
Queria ser o gole que acalma o corpo. Que lava o sal das lágrimas sem que ninguém veja.

Comprei.
Nem pedi pra embalar. Levei abraçado, como troféu.
Cheguei em casa suado, mas sorrindo:
— Trouxe um presente.
— Hm. O que é isso?
— Um filtro de barro.
— Um quê?
— Ué, pra gente encher.
De água, de calma, de dias bons.
Você disse que andava com sede — achei que isso poderia ajudar.
- Você só esqueceu que eu só tenho sede de vinho barato - disse murmurando.

Passou o resto do dia olhando para mim como quem diz: “você é um idiota adorável” e “acho que vou fugir depois do café”.

O filtro ficou lá. Na cozinha.
Testemunha das manhãs sonolentas, das noites gastas, das nossas trocas mudas.
Pingava devagar, igual a gente: tentando purificar o que vinha bruto.

No fim, foi embora.
Levou tudo — o sofá, o gato, o abajur rosa.
Mas o filtro… ficou.
Por peso. Por descaso. Ou porque sabia:

Aquele filtro era eu.

Hoje quando o vejo, penso: - Pelo menos a água ainda escorre. Alguma coisa nessa casa ainda funciona.

E quer saber?

Talvez eu nunca tenha sido amor de copo stanley.
Mas fui gole fresco de barro no fim da tarde.
E isso… isso já é muita coisa.

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