Ato 1: No Bar do Rato Cego — Vivi
Ato 1: No Bar do Rato Cego — Vivi
vomitado por christian palmer"Ela não era bonita.
Era pior.
Era do tipo que você bebe devagar só pra não correr o risco de ela ir embora."
Chovia fino em João Pessoa. Ele chovia grosso de cansaço da vida.
Naquela terça sem cor, foi para onde sempre acaba indo quando o mundo o empurra pelas beiradas: o Bar do Rato Cego, em Mandacaru. Sem placa, sem moral, sem futuro. Só uma vitrola quebrada, garrafas suadas e paredes que já ouviram mais confissões do que um padre bêbado.
Foi ali que ele a encontrou pela primeira vez.
Vestido vermelho de quem saiu de casa sem saber se queria ser vista ou esquecida. Entrou com o andar de quem já pisou em promessas demais.
Sentou-se num canto, com uma cerveja quente na mão e a alma fria no peito.
Ela estava em pé no balcão, íntima dos demônios dali — chamava todos pelo apelido. Pediu uma dose da cachaça mais barata.
Os olhos se cruzaram por acaso. Ou destino. Ou tédio.
Aquele tipo de olhar que não pede licença.
Aquele que invade.
— Tá esperando alguém? — arriscou.
Ela mordeu o canto do lábio, deu um gole.
— Tava. Mas você chegou primeiro.
Não falaram sobre amor.
Falaram de dores com nome e silêncios com cheiro.
De filmes ruins, cicatrizes mal curadas e músicas que só tocam quando a alma tá lascada.
Disse que o nome dela era Vivi — mas lhe pareceu mais um aviso do que uma apresentação.
— Você escreve, né?
— Escrevo.
— Só merda?
— Só o que vale a pena.
Ela riu.
Um riso curto, rouco, quase indecente.
Ela o puxou pela mão com a naturalidade de quem já decidiu.
Ele foi, sentiu como quem entra num filme sabendo que o final é ruim.
Atravessaram o bar, deixando garrafas e julgamentos pra trás.
No beco dos fundos, o cheiro de mijo e madrugada lhes deram boas-vindas.
O vento era cúmplice.
A noite, testemunha.
Ela o encostou na parede com a fúria de quem não queria - mas precisava.
Não teve promessas.
Só pele.
Só olhar firme de quem não se apaixona fácil — mas afunda junto quando vai.
Depois, Vivi acendeu um cigarro com a calma de quem já incendiou corações demais — e sequer se importou com a fumaça.
— Vai escrever sobre isso?
— Provavelmente não.
— Sabia. As melhores histórias a gente esconde no fundo da gaveta.
Deu dois passos e sumiu na neblina da rua molhada.
Ele ficou ali.
Com o gosto dela no peito, o silêncio no bolso e a certeza de que algumas noites não têm final feliz —
mas valem cada maldito segundo.
No Bar do Rato Cego, mais uma história que ninguém vai acreditar.
Mas ele sabe.
Estava cravado na pele dele.
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