Ato 3: Ao menos eu a Vivi: Fim?
Ato 1 - clique aqui
Ato 2 - clique aqui
Ato 3: Ao menos eu a Vivi. Fim?
vomitado por Christian Palmer
João Pessoa, PB - 23h13, Quinta-feira.
Sabia que Vivi costuma ir ao Bar do Rato Cego às quintas depois das 23h00. Resolveu ir até o bar, encontrá-la e dizer que foi por acaso. A noite estava quente - igual ao sexo dela. Foi andando. Nenhum motorista aceitou a corrida — reza a lenda que o bar foi construído sobre sonhos ruins, isso os assombrava.
Chegou ao bar suado. Vestido de saudade dela. Queria se iludir novamente. Fazia tempo que não ia lá. Mas há tempos fantasiava Vivi ali, pedindo uma dose da cachaça mais barata. Fumando um cigarro de cravo e menta. Contando uma história que ninguém acreditaria, se não fosse pelas cicatrizes que carregava.
Entrou devagar. Como se fosse possível entrar devagar num lugar que já era todo silêncio e penumbra. O dono estava lá — cabelos mais ralos, cara de quem já sabia tudo.
— Tá procurando alguém? — perguntou, sem pressa.
Ele hesitou. Achou que negar seria ofensa. Confessar, covardia.
— A Vivi.
O homem coçou a barba.
— Ah. A Vivi.
Disse como quem fala de um temporal que passou e deixou o telhado torto.
— Faz uns dias. Ela viajou.
— Viajou?
— Disse que talvez não voltasse. Mas deixou uma coisa com a gente. Disse que, se algum perdido aparecesse perguntando por ela, era pra entregar isso.
O homem foi até uma caixa de charutos no balcão. Dentro, um colar. Fino. Cordão preto. E pendurado nele... um dente. Um molar — amarelado de café ou vinho.
Ele soube na hora. Era dela.
Lembrou: “Arranquei por tédio”, ela tinha dito, um dia, com a naturalidade de um furacão.
Segurou o dente entre os dedos. Pesava pouco. Mas doía muito.
Pediu uma cerveja. Sentou no fundo do bar. Onde ela costumava sentar.
Desenhou um poste num guardanapo… um autorretrato.
Pois era isso o que ele significava: algo pra bater e seguir em frente.
Foi ao banheiro. Não precisava urinar. Queria apenas respirar outra parede.
No espelho, rabiscado com batom vermelho escuro, havia uma frase:
“Se me procurar, que seja só pra lembrar. Porque me encontrar... estraga.”
Não tinha assinatura. Mas era ela. Só podia ser ela.
Riu. Depois tossiu. Depois ficou em silêncio… por uns dois minutos.
Na saída, pensou em deixar o colar. Mas não. Ajustou o colar no pescoço, sentindo o peso pequeno e a dor enorme. Como se fosse a mordida dela.
Voltou a pé pra casa. Choveu no caminho - a cidade estava lavando os restos dela.
Sorriu torto. Do jeito que entende que perder, às vezes, é uma forma de ter.
Não pensou em escrever. Não tinha o endereço dela.
Não pensou em ligar. Nunca teve o número.
E mesmo que tivesse…
Saudade não é razão pra voltar — é lembrança do que eu vivi.

Comentários
Postar um comentário