Trepei com o absurdo: ou Camus feat Bukowski
Trepei com o absurdo: ou Camus feat Bukowski
vomitado por Christian Palmer
O relógio marcava 3h08 da madrugada — nem noite, nem dia, só o horário em que os bares desistiram de você, todos. Queria fumar, mas só encontrou uma barata. Matou com a mão mesmo. Meursault era tido como um homem frio — era o vazio por decreto próprio. Um estrangeiro sem pátria, um imigrante até dentro de si. O sol queimava, as pessoas falavam, os dias passavam, e ele assistia a tudo como quem olha pela janela de um trem em movimento: interessado o suficiente para não pular, mas nunca o bastante para descer.
Então, ouviu uma voz gritar. A porta abriu antes dele responder.
Era ela: Cass. Uma mulher bela como um tsunami de álcool e ódio — intensa, indesejada e autodestrutiva. Odiava a sua beleza, pois sabia: era a única coisa que os idiotas viam nela. Os olhos dela tinham o poder de devorar almas e cuspia veneno com a língua. Ela não transava, não fazia amor — fazia autópsia. Nunca encontrava, mas não desistia de tentar achar algo vivo no âmago dos outros.
Ela entrou sem permissão, invadiu o quarto como se a vida tivesse cuspido ela direto do inferno. Vestido torto, olho borrado de rímel barato, um cigarro apagado preso entre os dedos como um cadáver enfeitado.
— Você é o cara que não sente nada, né?
Meursault não respondeu. Olhou pra ela como se olhasse uma parede manchada de umidade. Não havia convite no olhar dele. Mas também não havia proibição. Era só... nada.
Ela atravessou o quarto como um animal solto. Cheirava a suor, a pressa, a bebida azeda. Sentou na cama, abriu as pernas como quem rasga um poema ao meio.
— Vai ficar me olhando como se eu fosse mais uma tarde quente?
Ele tirou os sapatos. Tirou a camisa. O corpo dele era comum. Frio. Quase burocrático.
Cass montou nele como quem queria extrair gemidos a facadas. Bateu, mordeu, chamou a mãe morta dele de puta — nada. Ele gozou quieto, como quem carimba um ofício. Rígido. Silencioso.
Quando acabou, ela cuspiu no chão:
— Se não fosse pelo seu pau duro, juraria que trepei com um defunto.
— Deve ter sido o sol — ele disse.
Ao fim, para ela, aquilo não foi uma transa. Foi mais como se tivesse ido entregar um requerimento em uma repartição pública. Muito protocolar. Pareceu-lhe que Meursault havia gozado um ato administrativo.
Ela riu. Aquela risada que corta.
Depois se deitou ao lado dele e chorou em silêncio, porque Cass também era um túmulo, mas um que berrava.
Os dois ficaram ali, suados, fedidos, vazios.
Nenhum dos dois dormiu.
Porque sonhos exigem esperança.
E esperança era a única coisa que não dividiam.
Quando Cass foi embora, viu a barata morta.
Ficou um instante olhando para o inseto
e para Meursault como quem lê uma sentença:
— Isso aqui tem mais vida do que você.
Meursault acendeu um cigarro.
O sol nasceu.
A barata morta apodrecia o quarto.
Ele cagou

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