Espirrado por Christian Palmer
Ser, na contemporaneidade, é algo bem
difícil. Não acham? Eu provo. Por exemplo, estes dias em uma conversa, eu
disse que queria ser de Krishna.
- Por quê?
- Ah, sei lá, eu não sou nada e se for
para ser, que seja de Krishna, porque pelo menos tem aquela música legal que
Nando Reis gravou.
- Ah, bacana.
No entanto, uma amiga me convenceu do
contrário, ela me explicou que os Krishna acreditam em “casta”, tipo
naquele livro "Admirável Mundo Novo" onde as pessoas nasciam
destinadas a desenvolver um papel específico na sociedade, por exemplo, um
agricultor era "moldado" a ser um agricultor desde a sua gestação, ai
quando nascia era só fazia aquilo e só aquilo. Só que para os Krishna, um
agricultor pobre, era agricultor pobre por vontade e decisão de Krishna e que
Krishna o considerava menos que um empresário rico, por exemplo. Daí eu não quis
mais de ser de Krishna, pois achei, digamos assim, feia essa ideia.
Ai pensei, talvez eu devesse ser
budista, mas a ideia de largar todos os meus bens materiais e imateriais para
viver num mosteiro, também não me agrada muito. - Já sei, vou ser cristão
católico. Não pera, mas eu fiquei sabendo da existência de um Papa mulher, em
sei lá quantos mil anos de existência, sem falar nos incontáveis casos de
Padres abusando de criancinhas - Machista e pedófilo, não cultuo com essas
coisas.
- Que tal ser Cristão evangélico. Mas
ai, também nunca soube de nenhuma mulher protagonizar um cargo
"superior", machista também. Sem falar que pedir permissão a um
pastor para fazer algo, também não me agrada nem um pouco. – Pastor, posso
namorar aquela menina? Posso transar com ela? - É, não rola, deixa quieto.
Que tal ser Satanista? Não, não, muito
complicado, matar galinha preta - não tenho coragem - fazer pentagramas - não
sei desenhar - ter que assistir desenhos/animes/filmes com mensagens
subliminares - isso até que é legal - mas daí vou ficar em falta com as outras
duas e se for pra ser pela a metade, melhor não ser, porque ser hipócrita
também não é legal.
Quem sabe ser niilista, acreditar que
nada exista, que tudo não passa de conceitos, e conceitos só existem na
consciência de quem os conhece, ou seja, no metafísico, e o metafísico é o deus
dos conceitos e, assim como eles, também não existe. - É, posso viver
assim. Perai, se eu sou niilista eu não posso acreditar no niilismo, pois o
niilismo é um conceito, logo, não existe. Difícil.
Então, o que eu vou ser? Acho melhor
não ser. Isso mesmo. Vou ser ateu. Não há regras para sê-lo, eu não preciso
seguir os preceitos de um livro escrito a não sei quantos anos, não preciso
vestir terno e paletó para praticar boas ações, não vão precisar ameaçar
queimar meu corpinho em um mármore em chamas para eu ter empatia para com os
outros. Eu, inclusive, vou poder achar bonitinho o conceito panteísta, por
exemplo, e mesmo assim vou continuar sendo ateu. Peraí, não posso ser ateu,
pois ateu não tem coração - dizem - " Amor é de Deus. Então, se você
é ateu, como você ama?" "vish, ele é ateu. tsc! tsc!".
Desisto, definitivamente. Como dizia o
poeta: "Ser ou não ser? Eis a questão". Eis a questão mesmo.