Um amor de chuva
Um amor de chuva
vomitado por christian palmer
Tenho a impressão de que todas as vezes que nos encontrávamos, chovia. Parecia até que os deuses estavam nos presenteando, pois adorávamos o frio. Na verdade, era um pretexto para que pudéssemos nos abraçar. As mãos mais geladas que um dia tocaram minha pele. Mesmo geladas, elas me aqueciam com um calor inexplicável. Não conseguia entender como algo tão frio poderia ser fonte daquele tanto de ardor.
Contudo, naquela sexta-feira de junho — não me recordo o ano — nos encontramos e, para nossa surpresa: a chuva não caía. Os deuses nos testavam: como nos comportaríamos num dia de calor? Aquilo era novo pra gente, porém nos portamos exatamente igual, com o mesmo tanto de abraços e beijos; com aquelas mãos gélidas e incontroláveis, as mesmas que me aqueciam.
Fomos a um bar no centro da cidade. O visual rústico daquele lugar nos impressionou bastante. Ao fundo tocava Florence, um ponto em comum nos nossos gostos musicais. Parecia que alguém naquele bar queria nos dar as boas-vindas apropriadamente. Ficamos por horas. Bebemos, conversamos e nos beijamos. Presenciamos o pôr do sol, concordamos que há tempos não tínhamos visto algo tão perfeito. Ainda bem que não chovia, ou não seria possível tê-lo visto. Ao cair da noite, uma atração musical — não conhecíamos, mas curtimos. Dançamos a noite quase toda. Era tarde, decidimos ir pra casa, mas não a minha.
No caminho, trocávamos sorrisos e olhares carregados demais pra serem só gentileza. Estávamos com pressa — não porque o bar tivesse sido pouco, mas porque o que a gente queria agora não cabia mais ali. Sentíamos que nossos corpos eram nuvens escuras, pesadas de vontade. Cada passo dizia: precisamos chover.
Todos estavam dormindo em casa. Deitamos na rede que ficava no terraço. Não demorou para que a chuva se lembrasse de nossa existência. Sentíamos uns pingos que não nos respeitavam e se colocavam entre a gente. O frio? Não dava tempo de senti-lo — o ardor dos nossos corpos era maior. Consigo me lembrar como se tivesse sido ontem: a forma com que segurava minha cabeça por entre suas pernas, os beijos intermináveis, as idas e vindas daquelas gélidas mãos inquietas e os gemidos contidos. Tudo muito intenso, tudo muito molhado, sem nenhum afã. Era como se fôssemos a própria chuva.
Se soubéssemos que aquele dia marcaria o início do nosso fim, teríamos nos amado melhor na chuva.O erro foi acreditar que a chuva voltaria, ou que nós voltaríamos com ela.
Droga!
Nunca mais fomos à chuva.
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